quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

4 desenhos animados traumatizantes da sua infância

O mundo em que vivemos dá uma ênfase absurda à proteção das crianças — o que faz algum sentido, aliás, já que acredita-se que elas são a única esperança para o futuro. Eles que se fodam consertando a camada de ozônio.
Tampas pra cobrir tomadas, frascos de remédios que exigem uma combinação delicada de movimentos para serem abertos, filmes pornôs cuidadosamente guardados numa salinha especial nas locadoras, longe dos olhos da criançada… a nossa civilização desenvolveu diversas práticas ao longo dos séculos pra garantir a segurança física e mental da criançada.
Diz-se até que, atualmente, a onda do politicamente correto levou essa prática ao extremo. “A nossa juventude não era tão segura“, dizemos em tom de desdém quando nos lembramos que brincávamos com bombinhas e assistíamos a bunda molhada da Luiza Ambiel na banheira do Gugu.

Isso aí era programa familiar de domingo à tarde
Há um tom de verdade nisso. Para pra pensar aí: nós nascidos nos anos 90 tínhamos como heróis Robocop e Rambo — respectivamente, um policial assassinado que é mantido vivo como uma grotesca aberração tecnológica e um veterano da guerra do Vietnã com surtos psicóticos. Tinha até desenho animado disso, porra!
Eu tava pensando nisso outro dia e soltei um audível “puta que pariu!”. Como é que os malucos fazem desenho animado do RAMBO, meu amigo?!
Voltando ao assunto: os desenhos animados, como mídia voltada exclusivamente pra criançada, deveria ser o último reduto de conteúdo inquestionável e puro para as frágeis psiques das criancinhas.
Só que aí eu parei pra lembrar dos desenhos que eu assisti quando moleque e percebi que mesmo os desenhos “apropriados para crianças” tinham o potencial pra traumatizar toda uma geração. Acompanhe.

Andy Panda em “A Maçã do Ego” (Up Jumped the Devil)
Andy Panda era um daqueles amiguinhos sem graça do Pica-Pau que ganhavam episódios exclusivos por algum sistema de cotas ou algo assim. Neste episódio, o urso se vê num dilema ético — roubar ou não roubar as deliciosas maçãs de um pomar particular. Pra ilustrar o dilema, o desenho utiliza a ferramenta clássica da representação visual da batalha entre o id e o super-ego, caracterizados respectivamente por um diabinho e um anjinho.
De um lado, o id — o impulso animalesco em satisfazer todas as suas vontades, ou seja, o diabinho. Do outro, o super-ego — a nossa voz interna moralista que freia tais impulsos. Isso é, o anjinho panaca do desenho.
O anjinho (viu como ele era meio panaca?) tenta impedir a todo custo que Andy caia nas garras de Belzebu, mas não tem jeito. Tentado pela fome, o Andy acaba comendo as maçãs — que estavam verdes, mas foram pintadas de vermelho por Satanás pra parecerem maduras.
O Panda come uma pilha de maçãs maior que ele mesmo e começa a passar mal. O desenho parece insinuar que ele passou mal em virtude de comer muito (por que outro motivo eles mostrariam o fade entre a cena que mostra algumas maçãs no chão, contrastando com as várias que ele acabou comendo?), embora pareça bem mais plausível que ele tenha sido envenenado por toda a tinta que cobria as frutas.
O Panda “morre” e vai pro inferno, onde é torturado cruelmente pelo Tinhoso. Finalmente é trazido de volta à vida (ou acordado de uma alucinação, o desenho não é tão claro). O anjinho desconta no Pé Preto todo o abuso que recebeu no começo do desenho e depois vai embora com o Panda. O episódio acaba.
Esse desenho é perturbador porque ao contrário de outras figuras clássicas de terror (vampiros, lobisomens, e os outros monstros que que não foram bastardizados na “saga” Crepúsculo), o diabo é “real” (atente as aspas, ein). Ele poderia estar bem do seu lado no momento em que você assiste esse desenho.
O episódio das maçãs do Andy Panda era um lembrete sombrio da “realidade espiritual” ao seu redor — enquanto você está aí se divertindo vendo um desenho animado, O Lúcifer está salivando de forma quase sexual pela sua alma.
O Pica-Pau MalucoExistiam dois Pica-Paus. Um era o Pica-Pau espertalhão, o troll que vivia infernizando os coadjuvantes do desenho…
Este era provavelmente o seu favorito
…e tinha o outro Pica-Pau. O outro Pica-Pau cuja aparição já deixava claro que aquele não seria um episódio bacana.
Meio maluco e meio viado, aparentemente
O que acontece é que o Pica-Pau Maluco foi o primeiro design do personagem, em 1940. O Pica-Pau mais bacana que a gente preferia veio bem mais tarde, na década de 60.
O problema é que não tínhamos como saber isso na época, pra gente era tudo contínuo. E o resultado é que um dia víamos um Pica-Pau espertalhão, aprontando mil e uma confusões engraçadas com um jeitinho Troll que encaixava como uma luva no público brasileiro…
…e em outros dias víamos um Pica-Pau completamente demente, que infernizava personagens aleatórios sem razão ou rima, apenas pra escrotizar.
Era como se estivéssemos presenciando um portador de esquizofrenia que de vez em quando perde os remédios. A perversão da figura conhecida do Pica-Pau (não apenas seu comportamento era distorcido; a própria aparência dele era levemente diferente) causa um efeito curioso de dissonância cognitiva que confundia a cabeça da criança. Ver a imagem familiar tão distorcida é uma situação tão desconfortável quanto interromper o banho pra cagar numa privada sem assento.
Pelo menos isso nos preparou pra lidar com essa gente maluca com quem interagimos todo dia. Mas que era estranho, era.
Malévola, de Bela AdormecidaA dicotomia do bem e mal é uma constante narrativa; estamos completamente programados a ver o mundo dessa forma maniqueísta dos “mocinhos” contra os “vilões”. Acontece que tem o mal cartunesco, e tem mal satânico traumatizante.
Mal satânico traumatizante
A Malévola, a bruxa malvada do Bela Adormecida, é um exemplo de crueldade que deixaria o próprio Lúcifre escandalizado. Vamos recapitular a história do filme:
O Rei e a Rainha tiveram um bebê. Eles convidam todo o reino para celebrar o nascimento da princesinha, mas não convidam a bruxa. Ela aparece do nada e, por puro despeito, condena UM BEBÊ A MORTE.
A magia da mulher é tão potente que as fadas boazinhas não podem nem anular a parada; o máximo que dá pra fazer é abrir uma ressalva na maldição jogada pela macumbeira lá, que reverte a pena de morte pra um sono profundo que será quebrado se ela for beijada.
A mulher fez isso tudo simplesmente porque não foi convidada pra uma festa.
O visual e a atuação da bruxa era de arrepiar, também. Pra tornar a coisa ainda mais confusa na cabeça duma criança, a bruxa malvada era toda bonita, maquiada e o caralho, quando o figurino geralmente pede que o mal seja feioso e não-atraente.  Compare-a com as outras vilãs da Disney: Cruella De Vil? Horrorosa. Úrsula? Feia E gorda. Lady Tremaine? Uma velha emperiquitada. Já a Malévola tinha um jeitão de MILF.
Rola aquele esquema de dissoância cognitiva de novo — a figura reprovável não deveria ser atraente. É uma nuance interessante.
A ambientação das cenas dela eram particularmente sombrias:
Como falei no começo, estamos acostumados a ver representaçãos do mal em filmes e desenhos animados. Acontece que a Malévola vai um passo além na interpretação, motivação e visual das cenas da personagem — e ainda por cima devia ficar gatinha de bikini.
Aliás, olha a inversão de valores: as fadas madrinhas boazinhas é que eram velhas e gordas! 
Diz aí, tu preferia comer a Primavera ou a Malévola?
Não é a toa que a Malévola encabeça tantas listas de piores vilões da Disney.
Elefantes cor de rosa do Dumbo bêbadoLembra de Dumbo? Claro que não, é um filme antigo pra caralho (não que os outros citados aqui não sejam, mas eles têm relevância cultural mais proeminente que Dumbo). 
Mas que carinha mais ESMURRÁVEL essa do Dumbo ein
Eu só lembro de duas coisas sobre o filme — do elefantinho titular, que tinha um rosto que na época estampou muitos papéis de carta perfumado que as meninas dos anos 90 tinham o aborrecente hábito de colecionar, e da cena dos elefantes cor-de-rosa. E eu aposto que são as duas únicas coisas que você lembra, também, tão insignificante foi o filme pra nossa memória coletiva.
Pros moleques de 13 anos que tão lendo o Vida de Marinho, a cena começa com o Dumbo e seu amiguinho — que não merece nem uma googleada pra descobrir o nome — bebendo água que, sem o conhecimento deles, havia sido misturada com champanhe. O resultado é a cena psicodélica abaixo:
A opinião sobre a sequência é quase unânime: não conheço uma pessoa sequer que não tenha ficado com medo da cena quando a viu pela primeira vez. A aparição súbita dessa bizarra manada de elefantes cor de rosa intangíveis com imensos olhos pretos cantando e dançando é desconcertante.
Em um determinado momento os elefantes formam um Megazord que marcha em direção ao espectador, a sequência fechando com os grandes olhos pretos que, distorcidos em uma feição maldosa, encaram a criancinha do outro lado da tela.
Bota isso aí pro seu filho de 4 ou 5 anos assistir e me diz o que acontece.
Existe um motivo pelo qual a maioria dos screamers (aqueles vídeos de susto que apenas filhos da puta espalham pela internet) geralmente trazem imagens de pessoas com olhos pretos. Tipo essa aqui, ó:
Esse é o mesmo motivo pelo qual os aliens greys clássicos são assustadores. O efeito trata-se de um exemplo um pouco mais suave de body horror, ou seja, imagens que provocam desconforto por mostrar o corpo humano de forma que você sabe que ele não deveria ser.
Todos os seres humanos têm um sistema embutido sofisticado de reconhecimento facial. Este sistema depende de pistas visuais que milhares de anos de evolução instalaram no sistema operacional que roda aí na sua cachola. Ao ver um rosto, esses pistas visuais (nariz, boca, olhos) disparam na tua cabeça uma rotina de reconhecimento que resulta na mensagem mental “ah, beleza, é outro ser humano como eu. É o Joel, aliás. E aí Joel, beleza?“.
Acontece que a falta de uma dessas pistas visuais causa um bug que ou confunde o seu cérebro, ou provoca rejeição psicológica. Quer ver como eu posso facilmente dar um Error System no teu cérebro, explorando essa falha no nosso software de reconhecimento facial?
Essa imagem já é rodada na web, você provavelmente já a conhecia. Estamos acostumados a ver dois olhos e uma boca; isso é uma tarefa que nossos cérebros executam desde que nascemos. Ao ver uma imagem que deveria ser tão familiar com olhos e bocas a mais, o sistema de reconhecimento facial trava e o seu cérebro dá um CTRL+ALT+DEL nele. O resultado é que é impossível olhar pra essa imagem sem sentir que seus olhos estão se retorcendo.
Ah é, e tem isso também. O seu cérebro, como todo chefe, joga a merda pros funcionários de baixo. Assim, ele culpa os olhos de estarem passando pra ele a imagem errada. É por isso que você pensa que ficou vesgo temporariamente ao olhar pra foto acima.
A sequência é tão infame que a maioria dos comentários no youtube disserta sobre quão assustado o sujeito ficou quando a viu pela primeira vez. E “ver elefantes cor de rosa” se cunhou como  expressão que descreve halucinações etílicasE isso era pra ser uma porra dum filme infantil.
Quer saber, meu futuro filho vai assistir é Rambo e Robocop mesmo.

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