sexta-feira, 13 de maio de 2011

Boom


Seis da manhã de outra manhã.

Os dias costumam se repetir, o sol nasce em todos eles, mas alguns dias não são tão repedidos  assim. Somos viciados em rotina e queremos acreditar que tudo está sob controle.
A quebra de um ciclo é como um pisão em falso, um degrau que você não vê, e você só repara quando o horizonte a sua frente treme, e sobe um pouco do nivel que estava antes. Um baque seco, uma súbida exclamação, um chão que não está lá, ou um poste que você não viu.
Boom, te pega de surpresa.
Você vê luzes piscando amarelas, azuis, vermelas, verdes, purpurina tilintando azul na frente dos seus olhos, o desenho de veias escuras e vermelhas ficando mais nítidas no canto da sua visão a cada pulsação. Uma leve tontura, um zunido no ouvido, e um cheiro de sangue que brota das suas vias nasais. 
Você nunca se acostuma com isso. Aquele embrulho no estômago e você leva suas mãos até seu rosto. Seu cérebro mandando imagens aleatórias e tentando dar algum sentido pra aquilo no momento de confusão, você simplesmente não sabe o que dizer. O mundo vive embreagado no tédio, mas a verdade é que ninguém quer uma parada brusca, uma guinada, um sobressalto.
Ninguém quer trocar um problema por outro, um prazer por outro, um problema por prazer, um prazer por um problema. Ninguém quer quebrar o ciclo, nem mudar de vida,  nem ser nada maior. Ninguém quer sentir o impacto.
Um impacto forte o suficiente faz com que seu cérebro balance dentro do seu crânio como um badalar de sino, e se for forte o suficiente, o seu cérebro esmagado contra a parede da sua prórpria cabeça vai mandar uma descarga elétrica para a sua espinha dorsal e vai fazer com que todos os seus membros entrem em falência instantânea, e que você perca os sentidos. Imagine um disjuntor estalando e desligando a força da sua casa para não queimar sua tv. Isso se chama nocaute. Te pega de surpresa. Você nunca se acostuma com isso.
Nós passamos a vida evitando o nocaute. Evitando o soco direto vindo no nosso nariz. Assalto após assalto, apelamos para o clinch até ficarmos exaustos numa luta onde não se ganha por pontos. Ninguém quer desferir o soco, e muito menos alguém quer levar o soco, sair com o olho roxo e apertado reluzente da pele esticada e inchada.
Uma luta infinita de homens e mulheres suados e exaustos e pesados que morrerão frustrados por nunca escutarem o gongo soar. O ciclo jamais se quebra.

Mas existem dias que o sol nasce, e alguem te soca a cara. Você vê as luzes brancas e amarelas e vermelhas e verdes. Você cai no chão e descansa.
E acorda pra um adversário melhor.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Procrastinar


"Procrastinação" foi a última palavra que me lembro ter aprendido. Sempre me faltou uma palavra que descrevesse esta coisa, essa coisa de evitar o inevitável, só por evitar e parecer evitável.
Aprender esta palavra e seu significado, foi como descobrir uma cor nova, um signo novo, uma nova nota musical. E sempre soou como uma cor cinzenta mas não cinza nem matizada, um signo perdido entre o solstício e as revoluções.
"Procrastinar" soa bem, apesar dos pesares.
Se diz que procrastinar, é como masturbação : a sensação é boa, mas você só está fodendo consigo mesmo.
Procrastinar, é escrever num blog. Procurar inspiração. Fazer algo inútil para que consiga começar algo útil. É tomar o caminho mais longo e estático, porque o caminho mais curto é muito enérgico.
É o deixar para depois, e depois deixar um pouco mais. Inflar a realidade com gas hélio, engraçado, vazio e volátil. Observar as coisas em câmera lenta, de trás-para-frente, e observar de novo, não prestar atenção, e ver pela terceira vez. Tamborilar no braço do sofá, tomar um café. É o botão "soneca" do celular. Mais cinco minutos. Mais vinte minutos. Mais uns dias.
Procrastinar é pegar a existência uma vez sólida e compacta, e esticá-la num fio finíssimo e longo. É viver numa bola de chiclete, enorme e cheia de ar por dentro até estourar. E daí fazer outra bola.
Procrastinação é homeopatia, fazer tudo em pequenas doses, um pouco por vez, e um pouco de tudo. Procrastinação é procurar sinônimos e adjetivos, palavras e coisas para continuar escrevendo antes de chegar a uma conclusão final.

Procrastinar é evitar a conclusão final no fim depois que acaba.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Herois ou Vilões?


Somos heróis.
Todo mundo precisa de heróis. Nos consideramos heróis.
Nosso heroísmo passa de geração para geração. Nossos problemas, nossas conquistas. Ressureição, dar a volta por cima, vencer o inimigo. Essas coisas.
Ninguém é vilão, pelo menos ninguém quer ser.
Nós não nos assumimos como pessoas ruins. Há sempre um porém, um motivo. Um não foi minha culpa, ou um mas se não fosse por este motivo, tudo estaria bem.
Pense em você como um vilão.
Pense um pouco mais.
E se no final das contas, fôssemos exatamente tudo aquilo que negamos ser? E se formos filhos da puta? Traidores, oportunistas, interesseiros, invejosos, raivosos, depravados, infelizes, preconceituosos.
Se não fôssemos filhos de Deus? Ninguém olhando por nós. Olho por olho e dente por dente.
E se os hipócritas não forem realmente hipócritas?
A gente sempre erra. Podemos errar a respeito disso. A respeito de nós mesmos.
Imagine você, um maldito confesso. Sem remorso. Apenas sendo quem você é. Um maldito.
É tão ruim assim? Afinal de contas, todo mundo parece tão vazio e distante. Menos nós. Nós somos os mártires, o estandarte da nobreza do espírito. E se nós fossemos os hipócritas?
Quanto tempo isso duraria? E se nós fôssemos desistentes, deprimidos, frustrados, sempre querendo algo que não temos e não precisamos, se nós amamos pouco, se descartamos os outros.
Quem seriam os heróis? Pra onde foi todo mundo?
E se a vida não tivesse sentido algum, apenas existência pura e simples e ao acaso? Ou se o amor não fosse amor e só reações químicas que seu cérebro faz somente pra fazer você espalhar seus genes tão pateticamente como fazem as flores com o pólen? E se o tempo passasse tão rápido que você não vê os dias chegarem, e nós iremos morrer em breve e sem nenhuma vida após isso? Nenhum presente, nenhum céu. Preto. Puf. Você se pergunta.
O que sobraria? Com ou sem sentido, as coisas continuam. Não depende de ninguém.
Um dia você acorda, no outro dia não.
Um dia você tem vontade, no outro dia não.
Um dia, você tenta, no outro desiste.
Um dia você desiste, no outro você ganha um novo herói.
Um dia você tem vontade, no outro você não acorda.
Nunca se sabe.
Preto. Puf.
Quando todo mundo está ficando louco, menos você, quem é o louco?
Quem você escolhe ser, o herói ou o vilão?
Você se pergunta.
Tem dias que não parecem dias. São dias que vem como trégua.
Você senta e não faz nada. E nada. Num dia você sente vontade, no outro dia você quer.
Tem dias que não dão trégua.
Tem outros que te fazem bem.
Mesmo se você for o vilão.